Você já deve ter lido sobre a terapia genética e os esforços
médicos para corrigir doenças genéticas graves. Mas eu aposto que pouquíssimos
leitores passaram por terapia genética, conheçam alguém que tenha passado, ou
conhecerão muitos pacientes ao longo da vida que se submeteram à ela.
As
razões são simples – enquanto esses procedimentos são possíveis em teoria, na
prática têm se revelado extremamente difícil inserir novos materiais genéticos
em pacientes humanos e garantir que os novos genes sejam expressos de forma
sustentável.
As
dificuldades encontradas destacam o fato de que nós ainda não temos
conhecimento o suficiente sobre a transferência e controle de genes. E, além
disso, a terapia genética é extremamente cara.
Por que ela é tão difícil?
Máquinas,
tais como carros, são feitas a partir de componentes individuais – as peças
defeituosas podem ser substituídas por peças novas. Da mesma forma, se a sua
casa tem um buraco no teto ou uma rachadura na parede, isso pode ser corrigido
removendo a parte estragada e a substituindo. Pode custar caro, mas é possível.
Por
outro lado, se você assar um bolo e esquecer de colocar o fermento, é muito
difícil resolver o problema mais tarde.
Os
organismos vivos são complicados. Algumas peças, como o cérebro, são um pouco
parecidas com o caso do bolos. Já outros componentes, tais como as células do
sangue, podem ser transplantados.
Vários
esforços iniciais em terapia genética focaram em doenças do sangue como anemia
hereditária, imunodeficiências e doenças de coagulação do sangue. Nestes casos,
a teoria é relativamente simples. Contudo, na prática, a terapia genética se
mostrou muito mais difícil do que poderíamos ter esperado.
As
primeiras doenças hereditárias foram descritas cerca de cem anos atrás. Naquela
época, quase não se entendia o que era um gene. Cerca de 70 anos atrás, o DNA
foi identificado como o material genético. Em 1953, a estrutura do DNA
foi descrita pelos biólogos moleculares James Watson e Francis Crick e, logo
depois disso, nós entendemos como os genes codificam as proteínas funcionais.
Por
exemplo, a região do gene globina codifica a proteína hemoglobina, que
transporta oxigênio. Os pacientes com doenças do sangue, como a anemia de
células falciformes, têm uma mutação no gene que codifica a hemoglobina. As
células vermelhas do sangue nestes doentes tornam-se pegajosas e deformadas sob
certas condições.
Então,
a ideia da terapia genética nasceu. Quando entendemos o problema, passamos a
propor soluções. Por exemplo, poderíamos proporcionar ao paciente uma nova
cópia, intacta, de um gene de globina normal, que ele poderia usar para
produzir uma proteína hemoglobina normal.
Para
conseguir isso, no entanto, temos que tirar o gene no corpo do paciente. Então,
como colocaremos os genes dentro das células novamente? Não podemos
simplesmente dar um banho em alguém com uma solução de DNA e esperar que o gene
volte a fazer parte do organismo desta pessoa, assim como não se pode submergir
um computador em uma banheira de códigos escritos em papel picado e esperar que
os programas sejam instalados.
Os
computadores são feitos de modo que existem portais disponíveis através dos
quais a informação pode ser inserida. Os organismos vivos, por outro lado,
tendem a proteger-se contra corpos estranhos e, particularmente, contra DNA
estranho. Isso ocorre porque o DNA estrangeiro, na forma de vírus, é muito
perigoso. Vírus são basicamente nada além de pequenos pacotes de DNA egoísta.
Além
do mais, nós não queremos apenas que o DNA entre – queremos que ele entre nas
células corretas. Nossas células vermelhas do sangue não duram muito tempo, uma
vez que são rapidamente desgastadas por ficarem circulando pelos nossos vasos
sanguíneos – e, de qualquer forma, elas não carregam DNA.
Quando
se quer corrigir um defeito nas células vermelhas do sangue, uma estratégia
consiste em corrigir o defeito de células-tronco do sangue, para que todas as
células do sangue que descenderem destas células sejam corrigidas. Esta é uma
das razões por que a pesquisa com células-tronco é tão importante.
Há
um certo número de maneiras de inserir novos genes em células-tronco, tais
como: microinjeção; dar um “tiro” de eletricidade nas células para que o DNA
entre através de furos abertos na membrana celular; inserir o DNA em bolhas de
lípido como as dos vírus, que se fundem com a membrana celular; inserir o novo
DNA em um vírus real e utilizar suaexpertise - evoluída ao longo de milhões de anos –
para penetrar e entregar o material genético na célula, etc.
Neste
último caso, o DNA do vírus é inteiramente ou em grande parte excluído e o gene
de interesse inserido no seu lugar. Um deles – o vírus adeno-associado (AAV) –
tem se revelado particularmente eficaz.
Curiosamente,
uma vez que o DNA entra em nossas células, ele tende a ser costurado em nossos
cromossomos. É como se a célula achasse que um pedaço do nosso DNA se soltou e
as “máquinas de reparo do DNA” o prendessem novamente. Mas colocar novos genes
em células o bastante em uma escala suficiente para restaurar a capacidade de
um ser humano inteiro é uma grande tarefa – por isso, também é muito cara.
E
há um outro problema: ao longo do tempo, genes estranhos tendem a ser
desligados. Nossas células têm um software altamente sofisticado “antiviral”.
Nós não entendemos completamente como o reconhecimento e desativação ocorrem,
mas certamente envolve os mecanismos epigenéticos de silenciamento.
Basicamente,
uma vez que o novo DNA é reconhecido como estrangeiro, é empacotado com
segurança e armazenado, de uma forma que é análoga à quarentena de vírus de
computador. Ele não é removido, mas é silenciado.
Devemos ter esperança de progresso no
futuro?
Sim.
Já houve alguns sucessos notáveis. Um paciente com uma forma de anemia
hereditária recebeu células-tronco com um novo gene, bem como vários doentes
hemofílicos se beneficiaram ao receber um novo gene do fator de coagulação.
Mais
de 40 crianças com deficiência imunológica grave – também chamadas de “crianças
bolha”, que chegaram a precisar viver dentro de bolhas de plástico para evitar
o contato com germes – se beneficiaram do recebimento de novos genes
fundamentais para as células brancas do sangue.
Nas
primeiras tentativas, alguns pacientes desenvolveram uma forma de leucemia
quando o novo gene foi inserido, entretanto, estudos posteriores parecem estar
indo bem.
Mais
espetacularmente, há uma rara doença ocular hereditária que pode ser
significativamente melhorada quando tratada precocemente.
Além
disso, há o que alguns estão chamando de droga mais cara do mundo, a tiparvovec
alipogene (vendida sob o nome comercial Glybera). Neste caso, um vetor de vírus
adeno-associado proporciona um novo gene da lipoproteína lipase para pacientes
que tenham herdado a deficiência neste gene e são propensos a desenvolver
pancreatite grave.
Assim,
a terapia genética ainda oferece esperança. Continua sendo boa na teoria, mas
difícil na prática. Mas espera-se que à medida que entendamos melhor como
purificar e crescer células-tronco, como inserir DNA de forma eficiente e como
superar os mecanismos epigenéticos de silenciamento, ela se torne mais barata,
mais eficaz e proporcione tratamentos a mais doenças.
A
ideia relacionada de melhoramento genético – a alteração dos nossos genomas
para melhorar atributos cosméticos ou até mesmo o desempenho esportivo – atrai
ainda mais atenção do que a terapia genética, mas é igualmente ainda mais
improvável de se tornar uma realidade generalizada em breve. [Live Science]
Fonte: Live Science
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